Com 30 centímetros e 300 gramas, animal passa os dias dormindo, enroscado no alto das árvores
*Publicada originalmente na edição 410 de Globo Rural (dezembro/2019)
Dos quatro tipos de tamanduá que existem no mundo, só se falava em dois no Brasil: o bandeira e o mirim. Mas a reportagem de Globo Rural (TV e revista), num esforço em quatro Estados, fez uma descoberta maravilhosa: nos cajueiros nativos do Delta do Parnaíba, no Piauí, vive uma criaturinha incrível, o menor tamanduá do mundo - o tamanduaí.
De um corpo que cabe na mão, ele é também chamado de tamanduá-de-seda, por conta de sua pelagem macia e levemente dourada, da cor do fio que sai do casulo do bicho-da-seda. Então, dos quatro tamanduás do mundo, o Brasil tem três. E o outro, o quarto, vive no México (parecido com nosso mirim).
Pesquisadores científicos veem os tamanduás pelo número de dedos nas mãos. Os mirins têm quatro dedos (“tetradáctila”, do latim), o bandeira tem três (“tridáctila”) e o tamanduaí, dois (“didáctila”). Dos três, só o mirim tem tamanduá no nome (Tamandua tetradactyla).
Dos outros tamanduás, um é o Mimercophaga tridactyla (o bandeira, comedor de formigas que tem três dedos), e o outro, Cyclopes didactyla. Cyclopes quer dizer de pés e olhos redondos, e didactyla, que tem dois dedos.
Expedição no Piauí
Para uma edição especial sobre a Amazônia e o Centro-Oeste, a famosa revista americana Time trouxe para o Brasil uma equipe variada de renomados cientistas como objetivo de fazer um levantamento da natureza e ver aqui o que havia demais interessante.
Dos bichos de dentro d’agua, ficaram admirados com o pirarucu, esse maravilhoso peixe que vem sendo implacavelmente caçado e pode ser levado à extinção. Dos animais de cima da terra, escolheram o tamanduá-bandeira, esse “gigante comedor de formiga”, como o mais interessante.
“Assim como o pirarucu, o tamanduá também está ameaçado, mas não existe contra ele a fila de batalhões armados atrás de sua carne, como no caso do nosso ‘bacalhau brasileiro”, afirma Karina Molina, mineira, especialista em tamanduás do norte do país.
Relíquia na mão
Encontro com o tamanduá foi coisa de cinema, a partir do cenário. A foz ramificada do Rio Parnaíba no Oceano Atlântico produziu um ecossistema rico e variado, de dunas, lagoas, matas e praias inesquecíveis. Muita gente que conhece o lugar volta lá só para ver o pôr do sol.
O tamanduaí vive nas matas de velhos e retorcidos cajueiros nativos, que a gente alcança após atravessar bancos de areia, plantas com espinhos e trechos com água. “Cuidado, equipe!”, advertiu o pesquisador Alexandre Martins, parceiro de Karina no projeto de preservar o tamanduá-de-seda.
Os cajueiros antigos soltam ramos que alcançam o chão, se enraízam e formam novos pés de caju, os quais também deitam galhos que encostam no chão. A mata é assim quase um túnel de velhos troncos, galhos e ramos que a gente teve de atravessar agachados quase durante o tempo todo.
De fato, nos primeiros 15 minutos na mata encontramos três cobras, uma quase despencou na cabeça da produtora da reportagem e fotógrafa, Maria Luiza Silveira. Além do casal de pesquisadores – Karina e Alexandre –, estávamos também com um auxiliar de campo,Francisco Mendes.
E foi ele quem, após sondarem vão diversos capões de caju, apontou: “Ai lá, aquela bola lá no alto do galho dessa gameleira! Lá está o nosso tamanduaí!”
"Bicho de pelúcia"
O tamanduaí estava dormindo, numa rede de folhas que ele próprio teceu, por isso foi fácil capturá-lo. Ele sai para caçar de noite, durante o dia ele dorme. Depois que o veterinário da expedição aplicou o anestésico que o manteria tranquilo durante o exame demorado (sangue, medição, pesagem, vacina, amostra de pelo, etc.), foi que nós pudemos chegar perto.
Estava voltando da anestesia. Aí pude pegar o tamanduazinho na mão (com luvas, certamente). Uma belezinha! Parece um bicho de pelúcia encantado. Foram os pelos macios e levemente dourados que levaram os americanos a chamá-lo de “silk tamanduá”, tamanduá-de-seda. Perfeito.
Se precisasse uma razão a mais para a gente lutar pela preservação dos tamanduás nossos velhos conhecidos – o bandeira e o mirim–, essa razão seria o tamanduaí. É uma joia, um capricho da natureza! E tem mais essa: ele vive nos cajueiros e não come caju.
Fonte: *José Hamilton Ribeiro é repórter do Programa Globo Rural da TV Globo