Ameaçada de extinção, ave de rapina depende de florestas preservadas para sobreviver; flagrante incentiva expedições na região para estudos sobre a espécie.
Para ornitólogos e pesquisadores o dia 11 de abril de 2020 entrou para a história: pela primeira vez uma harpia de vida livre foi fotografada no estado do Paraná.
O observador e fotógrafo de aves Francisco Hamada, que planejava uma pescaria tranquila com o filho no rio Iguaçu, em Coronel Domingos Soares (PR), sequer sonhava com a possibilidade do flagrante, até que foi surpreendido pela maior águia das Américas. “Não me lembro se a ave estava pousada ou se chegou voando. Comecei a fotografá-la sem saber o que era, pensando que fosse até uma águia-pescadora”, conta.
“Ela estava de costas e de repente virou para a câmera. Foi quando gritei: ‘Harpia, harpia! Não pode ser, não existe harpia por aqui’. Sabia que seria o primeiro registro para a região e fiquei muito emocionado”, lembra com detalhes o engenheiro agrônomo, que na hora teve dúvidas sobre a identificação da ave. “Não tinha absoluta certeza se era uma harpia. Talvez pela distância ela parecia ser menor, o que me confundiu”, diz.
Foram 10 minutos de pura contemplação. “Primeiro fotografei a ave pousada no alto de um jerivá. Depois de uns seis minutos ela alçou voo para outra árvore, 300 metros mais distante, e pousou novamente, dessa vez com a cabeça encoberta pelas folhagens. Ficou uns três minutos e voou para bem longe, fora de nossas vistas”, completa Francisco.
Raridade
Representada no brasão do estado do Paraná, a harpia é o mais imponente exemplar da avifauna paranaense. No entanto, foram poucas as vezes que se mostrou para os observadores da região.
“Antes dessa foto nem sabíamos ao certo se a espécie ainda existia no estado. Só contávamos com registros muito antigos de indivíduos coletados e depositados em museus, e alguns avistamentos não documentados, também muito antigos”, explica o ornitólogo, especialista em aves de rapina, Willian Menq.
De acordo com o especialista, historicamente a harpia ocorria em quase todo o Brasil, desde o sul da Bahia até o Rio Grande do Sul e, no Paraná, existia em praticamente todas as regiões densamente florestadas. “Porém, nas últimas décadas, devido à intensa fragmentação e erradicação das florestas brasileiras, ela desapareceu de várias regiões”, detalha.
Baseado nos registros antigos da espécie na região, o biólogo acredita que a ave já existia no local há muito tempo. “Além do município possuir fragmentos florestais consideráveis, com conectividade com outros trechos quase inacessíveis, há muitas presas e árvores grandes para a nidificação, por isso, são grandes as chances de ter mais indivíduos e até mesmo ninhos por lá”, comenta Menq, que destaca o comportamento discreto da espécie.
“Apesar do grande porte ela não é facilmente observada e pode passar despercebida em um local por muito tempo: vocaliza com pouca frequência, não plana ou voa alto, como a maioria das aves de rapina, e permanece boa parte do tempo empoleirada na floresta”, completa.
Ameaçada de extinção no Brasil e em todos os estados sob domínio da Mata Atlântica, a harpia é considerada "Criticamente Ameaçada" no Paraná e, por isso, o registro da ave é um grande incentivo à pesquisas e ações de conservação no Estado.
Área de pesquisa
Encontrar uma harpia já é um troféu para qualquer observador de aves, mas este achado no Paraná é muito mais do que um flagrante raro: se tornou uma peça importante de contribuição para a ciência.
Para o ornitólogo e guia de observação de aves, Raphael Santos, a confirmação da ocorrência atual da harpia no sul do Estado abre imensas possibilidades para a comunidade ornitológica. “Todos os registros mais recentes relatados em território paranaense carecem de prova documental. O registro fotográfico agora documenta a presença da espécie e incentiva todos os observadores de aves a procurar a espécie com mais esperança", afirma.
Com o flagrante, Raphael e um time de pesquisadores já planejam realizar expedições ao local para aprimorar as pesquisas sobre o indivíduo avistado. “O trabalho contará com a participação de Pedro Scherer-Neto, ícone da ornitologia paranaense. A ideia é que a atividade seja realizada após o período de isolamento devido a contaminação do COVID-19”, detalha o especialista.
Conservação
A notícia do registro anima os pesquisadores, mas também ativa um sinal de alerta, afinal, existem inúmeros impactos ambientais na região onde a espécie foi localizada: harpias e outros rapinantes de grande porte são perseguidos e abatidos por moradores rurais que temem ataques contra suas criações domésticas, além dos que caçam indiscriminadamente.
Preocupados com a vulnerabilidade do indivíduo na região, os cientistas destacam a importância de ações de conservação.
"Além de novas informações sobre a presença da espécie, o que mais se espera destas expedições é o convencimento da população local a não abater estas aves silvestres. É extremamente importante conversar com moradores da região, explicando a situação como um todo e fazendo eles próprios entenderem a importância deste registro”, comenta Raphael.
“Por meio da educação ambiental iremos reduzir as perdas de biodiversidade ocasionadas por abates com armas de fogo. O envolvimento da população local nas atividades de busca e o engajamento destes moradores com a causa é o único meio para se tentar evitar tal brutalidade”, completa o ornitólogo, que ressalta também as oportunidades geradas com o turismo de observação de aves.
"Caso sejam localizadas as harpias e, de forma ainda mais otimista, caso seja localizado o ninho da espécie, certamente haverá um novo nicho econômico local relacionado ao turismo. Turistas de diversas regiões do País e de outros países do mundo irão ao local para observar a harpia, o que irá aquecer a economia local. Portanto, quando uma descoberta dessas acaba por trazer dinheiro para quem ali reside, o interesse conservacionista é definitivamente implementado", acrescenta.
Fonte: G1 / Foto: Francisco Herochi Hamada