Notificações, curtidas e rolagem infinita nas redes causam prazer, mas afetam controle dos impulsos. Dependência digital pode levar a transtornos de esgotamento, como FOMO e Burnout.
Conferir notificações, curtidas e o feed de redes sociais já são hábitos comuns para quem tem um smartphone na mão. O simples som de uma notificação pode trazer uma sensação boa, mas, ao mesmo tempo, afetar o controle dos nossos impulsos. E, assim como o cigarro ou outros vícios, o uso constante do celular também pode se tornar uma dependência.
Tudo isso é um processo químico, que ocorre dentro do nosso cérebro através da dopamina. Estimulado por comentários e curtidas, o neurotransmissor é liberado, provocando prazer e satisfação.
Alerta: Só que a dopamina vicia. Checar o celular o tempo todo, clicar em notificações, ficar rolando infinitamente as timelines sem buscar algo determinado, pode gerar um looping altamente perigoso para a saúde.
“Quanto mais a pessoa entra em contato com esses estímulos que causam recompensas rápidas e imediatas, maior a tendência de aumentar o comportamento. E aí ela começa a sentir falta quando não está perto do celular", resume a médica psiquiatra Julia Khoury, mestre e doutora em Medicina Molecular pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Nesta reportagem, você vai saber mais sobre:
- Como o cérebro reage às notificações
- Como a dependência digital afeta a saúde
- O que fazer para se desligar totalmente (ou um pouco, pelo menos)
1 - As notificações dentro do cérebro
Julia Khoury, que fez mestrado e doutorado em dependência digital, afirma que o mundo digital é uma fonte inesgotável de estímulos rápidos, capaz de nos dar pequenas doses de alívio frente à vida real.
“As pessoas vão em busca desses estímulos rápidos que geram prazer para se livrar de sentimentos ruins ou para ter pequenos prazeres ao longo do dia”, diz a médica psiquiatra.
Você pode não perceber, mas, ao receber uma mensagem do "crush" ou um elogio inesperado em uma foto postada, um neurotransmissor começa a correr dentro do cérebro: é a dopamina;
A dopamina, então, se desloca até a parte central do cérebro e, ao ser liberada ali, causa imediatamente sensações como prazer e satisfação na pessoa;
Mas ela também vai até a parte da frente do cérebro. Liberada, inibe as funções dessa região, chamada de córtex pré-frontal e responsável pelo controle dos impulsos, moderação do comportamento e tomada de decisões;
Com isso, pode causar impulsividade e afetar o controle do uso - nesse caso, uso do celular.
O processo é o mesmo em outros tipos de vícios, como em jogos ou drogas.
"O vício em smartphones é causado por causa desse tipo de recompensa rápida", afirma a psiquiatra. “Como temos estímulos rápidos no celular, o cérebro não treina mais para se concentrar por um tempo maior. E isso diminui a capacidade de concentração”, diz Julia.
2 - Quando a dependência digital acontece
O smartphone é uma máquina caça-níquel, afirma o psicólogo Cristiano Nabuco. "Na máquina, quando você coloca as fichas, ela te dá pontuação farta no começo. A partir do momento que você começa a ficar mais tempo jogando, você começa a perder", compara.
"Seu cérebro também pode criar uma tolerância, e um ciclo vicioso começa a ser instalado. As notificações têm como objetivo 'adestrar' o usuário de uma maneira que ele possa, no fundo, no fundo, ficar cada vez mais conectado”, explica o psicólogo.
Um exemplo é a rolagem infinita: o hábito de pegar o celular (sem receber nenhuma notificação), abrir um aplicativo e ficar passando pelo feed com o polegar, de baixo para cima - principalmente em momentos de ócio e procrastinação.
“Eu vou te oferecendo, oferecendo, oferecendo, criando um efeito looping onde, em um determinado momento, você não tem mais a noção do tempo que gastou. O indivíduo entra em uma condição de êxtase, procurando de maneira compulsiva, sem racionalizar”, afirma Nabuco.
“Isso criou um tipo de estimulação contínua, em que a saúde mental das pessoas não está sendo observada”, diz o psicólogo.
Mas como saber se sou dependente digital? De acordo com a psiquiatra Julia Khoury, um dos principais sinais de quem abusa da tecnologia ou é viciado nela é a síndrome de FOMO.
A palavra é uma sigla em inglês de "fear of missing out", que, traduzida para o português, seria algo como "medo de ficar de fora".
O tempo todo que a pessoa recebe notificação é um convite para um ritual de checagem regular, porque ela fica olhando para a tela, principalmente quando recebe uma notificação, por medo de perder coisas importantes, informações que ela considera importantes.
— Julia Khoury, psiquiatra
A consequência é o desenvolvimento de sintomas de ansiedade e problemas de atenção, o que pode evoluir para quadros mais graves, como a Síndrome de Burnout, causada pelo esgotamento mental, ou o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA).
“A pessoa se sente o tempo todo com excesso de estímulo, não consegue descansar”, explica a psiquiatra. “A gente tem visto uma prevalência cada vez maior de pessoas com dificuldade de concentração”, afirma também.
Fonte: g1.globo.com